Esse breve artigo irá analisar sinteticamente alguns conceitos do filme Minority Report (2002) estrelado por Tom Cruise e dirigido por Steve Spielberg.
Preliminarmente irei resumir o filme e os pontos que servirão como objeto de elucidação e de aplicação ao objetivo desse artigo: demonstrar falibilidade do método empírico ante a imprevisibilidade da ação humana, já ilustrada de maneira mais profunda e técnica pelos economistas austríacos Ludwig von Mises, em seu magnus opus Ação Humana, como também por Friedrich A. Hayek, em diversas obras, especificamente na Pretensão do Conhecimento.
Em seguida, já esclarecido os pontos do longa-metragem, passarei para uma explicação sucinta, encerrando o presente artigo sem adentrar de maneira demasiadamente profunda nem prolixa, mas tampouco sem abordar o necessário em sua complexidade natural.
Síntese do filme — extraído do site Wikipédia
Em abril de 2054, a polícia PreCrime de Washington, DC, para os assassinos antes de agir, reduzindo a taxa de assassinatos a zero. Os assassinatos são previstos usando três seres humanos mutados, chamados “Precogs”, que “previsualizam” crimes recebendo visões do futuro. Os supostos assassinos estão aprisionados em sua própria realidade virtual feliz. O governo federal está à beira de adotar o polêmico programa.
Desde o desaparecimento de seu filho Sean, o capitão PreCrime John Anderton separou-se de sua esposa Lara e se tornou um viciado em drogas. Enquanto o agente do Departamento de Justiça dos Estados Unidos Danny Witwer está auditando o programa, os Precogs geram uma nova previsão, dizendo que Anderton vai assassinar um homem chamado Leo Crow em 36 horas. Anderton não conhece Crow, mas foge da área quando Witwer começa uma caçada.
Anderton procura o conselho da Dra. Iris Hineman, o criador da tecnologia PreCrime. Ela revela que, às vezes, um dos Precogs, geralmente Agatha, tem uma visão diferente dos outros dois, um “relatório minoritário” de um possível futuro alternativo; Isso foi mantido em segredo, pois prejudicaria a credibilidade do sistema. Anderton resolve recuperar o relatório da minoria para provar sua inocência.
Anderton vai a um médico do mercado negro para um transplante de olho arriscado, a fim de evitar o sistema de reconhecimento óptico em toda a cidade. Ele retorna ao PreCrime e sequestra Agatha, fechando o sistema, enquanto os Precogs operam como uma mente em grupo. Anderton leva Agatha para um hacker para extrair o relatório minoritário de Leo Crow, mas nenhum existe; Em vez disso, Agatha mostra-lhe uma imagem do assassinato de Ann Lively, uma mulher que foi afogada por uma figura encapuzada em 2049.
Anderton e Agatha vão para o quarto do hotel de Crow quando o tempo de 36 horas se aproxima, encontrando numerosas fotos de crianças, incluindo a de Sean. Crow chega e Anderton se prepara para matá-lo, acusando-o de ser um assassino em série. Agatha fala a Anderton que Crow está fora de cena, dizendo-lhe que ele tem a capacidade de escolher o seu futuro agora que ele está ciente disso. Crow no entanto pede para ser morto, tendo sido contratado para plantar as fotos e ser morto em troca do bem-estar financeiro de sua família. Crow agarra a arma de Anderton e empurra o gatilho, matando-se. Anderton e Agatha fogem para a casa de Lara fora da cidade para o refúgio. Lá eles aprendem de Lively que foi a mãe viciada em drogas de Agatha que a vendeu para PreCrime. Lively tinha ficado sóbria e tentou recuperar Agatha, mas foi assassinada. Anderton percebe que está sendo alvo de conhecimento sobre a existência de Lively e sua conexão com Agatha.
Witwer, estudando a morte de Crow, suspeita que Anderton esteja sendo enquadrado. Ele examina a filmagem do assassinato de Lively e descobre que houve duas tentativas em sua vida, o primeiro foi interrompido pelo PreCrime, mas o segundo, ocorrendo minutos depois, tendo conseguido. Witwer relata isso ao diretor e fundador do PreCrime, Lamar Burgess, mas Burgess responde matando Witwer usando a arma de Anderton. Com os Precogs ainda desligados, o assassinato não é detectado.
Lara chama Burgess para revelar que Anderton está com ela, e Anderton é capturado, acusado de ambos os assassinatos, e equipado com o dispositivo cerebral que o coloca permanentemente em um sonho. Quando seu corpo é depositado na prisão, o diretor diz-lhe, “que todos os seus sonhos se tornem realidade.”
Agatha é reconectada ao sistema PreCrime. Ao tentar confortar Lara, Burgess acidentalmente revela-se como o assassino de Lively. Lara liberta Anderton da estase, e Anderton expõe Burgess em um banquete comemorativo de PreCrime jogando o vídeo cheio da visão de Agatha de Burgess que mata Lively. Um novo relatório é gerado no PreCrime: Burgess vai matar Anderton. Burgess esquece Anderton, e explica que, como ele não podia permitir que Lively tome Agatha de volta sem afetar a PreCrime, ele arranjou para matar Lively após uma tentativa real em sua vida, de modo que o assassinato iria aparecer como um eco para o técnico dentro da PreCrime e ser ignorado. Anderton aponta o dilema de Burgess: Se Burgess mata Anderton, ele será preso por toda a vida, mas o PreCrime será validado; Se ele reserva Anderton, PreCrime será desacreditado e desligado. Anderton revela a falha final do sistema: uma vez que as pessoas estão conscientes do seu futuro, eles são capazes de mudá-lo. Burgess atira em si mesmo.
Após a morte de Burgess, o sistema PreCrime é encerrado. Todos os prisioneiros são perdidos incondicionalmente e libertados, embora sejam mantidos sob vigilância ocasional. Anderton e Lara logo terão um novo filho juntos. Os Precogs são enviados para uma ilha isolada para viver suas vidas em paz.
Entendendo o filme com a Escola Austríaca
Citando o ilustre economista brasileiro Ubiratan Jorge Iorio, em sua magnífica obra Ação, Tempo e Conhecimento:
“A tríade básica ou núcleo fundamental
A EA tem como fundamentos uma tríade concomitante e complementar, formada pelos conceitos de ação humana, de tempo dinâmico e pela hipótese acerca dos limites ao nosso conhecimento. Esses três elementos formam o seu núcleo fundamental e se transmitem por meio de seus elementos de propagação para os diversos campos do conhecimento humano. Essa difusão tem implicações na filosofia política, na epistemologia e na economia. São por assim dizer a pedra angular do monumental edifício teórico que constitui a Escola Austríaca de Economia. Deles emanam os elementos de propagação e neles se assentam todos os componentes essenciais às deduções lógicas e às propostas teóricas.
Ação
Ação significa qualquer ato voluntário, qualquer escolha feita deliberadamente com vistas a se passar de um estado menos satisfatório para outro, considerado mais satisfatório no momento da escolha. A praxeologia é a ciência geral que se dedica ao estudo da ação humana, considerando todas as suas implicações formais. Ora, todos os atos econômicos, sem exceção, podem ser reduzidos a escolhas realizadas de acordo com o conceito seminal de ação humana. E a proposição básica, o primeiro axioma da praxeologia, é que o incentivo para qualquer ação é a insatisfação, uma vez que ninguém age a não ser que sinta alguma insatisfação e avalie que uma determinada ação venha a melhorar seu estado de satisfação, ou seja, aumentar seu conforto, sensação de alegria ou de realização, diminuindo, portanto, seu desconforto, frustração ou insatisfação. Este axioma é universal: onde quer que existam pessoas existirá ação assim definida. Portanto, a ciência econômica construída com base na praxeologia é, por corolário, universal. Não há teorias econômicas específicas ou particulares para cada país ou região, mas uma teoria econômica epistemologicamente correta, que é a que se monta peça por peça a partir da observação e do estudo sistemático da ação. Mises denominou o conceito de ação humana de axioma praxeológico número um, no sentido de que a partir dele podem-se deduzir as principais leis comportamentais que regem a economia.
Tempo
O segundo componente da tríade é o tempo, especialmente sua concepção dinâmica, ou tempo subjetivo, ou, ainda, tempo real, em que o tempo deixa de ser uma categoria estática que possa ser descrita por um simples eixo horizontal, para ser definido como um fluxo permanente de novas experiências, que não está no tempo, como na concepção estática ou newtoniana, mas que é o próprio o tempo. Quando consideramos o tempo dinâmico, estamos implicitamente aceitando o fato de que algo de novo sempre está acontecendo e assumindo suas três características: continuidade dinâmica, heterogeneidade e eficácia causal. Portanto, o tempo é, em si, um processo ou procedimento permanente de descobertas, como frisava Hayek. O tempo dinâmico real é irreversível e sua passagem acarreta uma evolução criativa, ou seja, implica alterações imprevisíveis. O conceito de tempo real é fundamental para que se possa entender a natureza da ação humana: agindo, os indivíduos acumulam continuamente novas experiências, o que gera novos conhecimentos, o que, por sua vez, os leva a alterarem frequentemente seus planos e ações.
Conhecimento
O terceiro elemento da tríade básica da EAE é o tratamento epistemológico do fato — indiscutível — de que o conhecimento humano contém sempre componentes de indeterminação e de imprevisibilidade, o que faz com que todas as ações humanas produzam efeitos involuntários e que não podem ser calculados a priori. Além disso, existem, para os austríacos, limites inescapáveis à capacidade da mente humana que a impedem de compreender integralmente a complexidade dos fenômenos sociais e econômicos. Os sistemas formais possuem certas regras de funcionamento e de conduta que não podem ser previamente determinadas. É como escreveu José Ortega y Gasset: “o olho não se vê a si mesmo”. (Só no espelho) … Como não é possível quantificar todo o nosso conhecimento, a EA não analisa os mercados como estados de equilíbrio, mas como processos de descoberta e articulação de conhecimentos que, normalmente, na economia do mundo real, permanecem calados, silenciosos, escondidos, espalhados e desarticulados, à espera da inteligência humana subjetiva exatamente para despertá-los, exibi-los, organizá-los e articulá-los. Esta terceira hipótese nucléica da Escola Austríaca, para diversos estudiosos de epistemologia, é a mais importante. No entanto, preferimos considerá-la em pé de igualdade com as duas primeiras, por acreditarmos que assim procedendo fica mais fácil destacar as interações e a interdependência existentes entre as três.
Esse núcleo básico da EAE é tão importante que nos permite definir a economia como ação humana nos mercados ao longo do tempo sob condições de incerteza genuína.”
De maneira magistral Iorio sintetizou todo seu vasto conhecimento em economia “mainstream” com os insights implacáveis de Mises e Hayek.
Como pode-se extrair do texto in supra, é inerente, essencial e intrínseco a característica de imprevisibilidade e de risco na ação humana e nos eventos futuros — mesmo para eventos físicos regidos por leis físico-naturais. Mas isso requer outro artigo.
A problemática do impossibilidade de previsão é de suma importância, pois ao aceitarmos as premissas miseseanas da tríade da ação-tempo-conhecimento, logo temos a conclusão de que modelos de equilíbrio no campo econômico, como os austríacos aplicaram, mas também para sistemas de segurança e produção de lei e pena, são infrutíferas as tentativas de utilização de método empírico, bem como de indução.
Ao agir visando atingir um objetivo (fim), o agente utiliza-se de recursos escassos (tempo para alcançar o fim almejado, tempo necessário para empregar na realização da ação, tempo este que o agente poderia empregar em outras atividades para outros fins) como também limitado conhecimento (o agente adquiriu ao longo de sua vida informações e conhecimentos que o auxiliam em suas ações e tomada de decisão, todavia, toda nova ação vem “contaminada” de informações adquiridas, o que altera os métodos que o agente pode empregar, os fins almejados, suas preferências, etc.).
Tendo em vista que o conhecimento está disperso nos diversos agentes, não podendo ser centralizado; bem como também pelo fato do conhecimento ser dinâmico, visto que a todo segundo está sendo gerado por meio dos agentes humanos em suas ações, vislumbra-se que a possibilidade de deter toda informação e conhecimento é impossível.
Suponhamos que o indivíduo A detenha uma quantidade enorme de conhecimento (x) que o permite prever o que o indivíduo B fará. Agora imaginemos que o indivíduo B tenha uma outra quantidade diferente de conhecimento (y) e descubra que A sabe o que ele irá realizar.
Com essa descoberta, B — que em nosso exemplo, é arqui-inimigo de A — terá adquirido uma nova informação (y¹) que afetará o seu fim original para um novo objetivo, visto que B almeja esquivar-se da influência de A, alterando assim o modus operandi que iria utilizar ou até mesmo o objetivo de sua ação prévia.
E quanto a A? Suas previsões falharam. A quantidade de conhecimento que detinha (x) por mais enorme que fosse, não continha a informação nem previa o fato de B descobrir que A sabia dos planos de B.
Caso A descubra que B adquiriu a informação que estava sendo “observado” pelas previsões de A, A terá sua gama de conhecimentos alterada de (x) para (x¹), assim como ocorreu com seu rival B.
Dessa forma, por conta da dispersão das informações, dos conhecimentos, das técnicas e dos meios e fins, os agentes humanos ao agirem, empregando meios mais eficientes para fins desejosos, estão gerando conhecimento novo. Conhecimento fresco! Conhecimento este que estará disponibilizado para ser usado por todos agentes humanos, o que fará uma reação em cadeia de maximização da propagação do conhecimento. Mesmo que o conhecimento que eu tenha em minha mente seja somente meu, ao realizar uma ação empregando-o, essa ação revela tal conhecimento, tornando-o acessível ao mundo, alterando e afetando todo conhecimento anterior.
Isso evidencia que jamais será possível prever a ação humana, ante a sua complexidade. Conforme visto no filme, as previsões dos PreCogs não detinham a informação de que o possível delinquente descobriria que foi “previsto” e estava sendo perseguido para não consumar o homicídio.
Assim como no final do longa, é revelado que ao o indivíduo descobrir que irá cometer um delito, sua mente adquire esse novo conhecimento e a partir desse instante, novos meios e novos fins são empregados e almejados pelo agente, pois o mesmo — provavelmente — irá querer descobrir o porquê irá cometer o delito, quem está atrás dele, como ele vai escapar da prisão. Isso não estava na gama de conhecimentos do agente anteriormente. Somente com essa nova aquisição, a informação que ele irá praticar algo, que alguém sabe que ele praticará e que esse terceiro irá impedir, faz com que a ação seja imprevisível (tempo) ante a limitação de informações (conhecimento).
Somado a isso, deve-se ressaltar que a impossibilidade de previsão da ação também se deve por conta de não ser possível classificar, prever, e delimitar todas as preferências pessoais, morais, econômicas, eventos físicos, dentre outros tantos fatores para poder concluir com exata precisão uma ação e seu resultado. Toda ação é falha. Toda! Mesmo que o agente esteja empregando meios já conhecidos para fins já realizados em outras ocasiões, ainda sim, nenhuma ação possui 100% de certeza de ser concretizado e satisfazer o agente. Mesmo algumas ações podem ser concluídas de maneira integral, mas o resultado concretizado é inferior à expectativa prévia do agente.
A insuficiência e a dispersão do conhecimento humano entre milhões de pessoas e a busca — que faz parte da própria condição humana — por parte de cada indivíduo, de seus interesses particulares, em regime de liberdade (ausência de coerção) é que desencadeiam um processo espontâneo, que vai se desenrolando ao longo do tempo, de maneira essencialmente imprevisível, subordinado a regras e normas gerais.
Nosso inevitável desconhecimento de tantas coisas significa que teremos de lidar, em grande parte, com probabilidades e acasos. Naturalmente, tanto na vida social quanto na individual, os acidentes favoráveis não ocorrem simplesmente. Devemos estar preparados para quando acontecerem.
Mas, mesmo assim, ainda são acasos, e não se transformam em certezas. Envolvem riscos deliberadamente aceitos, possíveis reveses de indivíduos e grupos que têm tanto mérito quanto outros que prosperam, possibilidade de fracassos ou de recaídas, até para a maioria, e apenas uma probabilidade de ganhos líquidos no cômputo geral.
O máximo que podemos fazer é aumentar as possibilidades de que certa combinação de dons individuais e de circunstâncias leve à criação de algum novo instrumento ou ao aperfeiçoamento de um instrumento antigo e melhorar a perspectiva de que tais inovações se tornem rapidamente conhecidas por aqueles que podem beneficiar-se delas.
Entendendo o filme com o Direito Penal
Deixando de lado toda a problemática epistêmica e praxeológica levantada e aclarada por Hayek e Mises sobre a imprevisibilidade da ação, é necessário do mesmo modo se debruçar sobre a possibilidade de a tutela penal ser antecipada — visto que, conforme exposto brevemente, no filme, a autoridade policial tinha conhecimento prévio da cogitação do agente em praticar o ilícito, visualizando a preparação, a execução e a consumação (com os PreCogs, o Poder Público tinha acesso a todo iter criminis de maneira apriorística).
Outrossim, deve-se ressaltar e lembrar que, quase todos os ordenamentos jurídicos, no que versa a Direito Penal — e usando como base o Direito Penal brasileiro — a possibilidade de imputação de um fato típico e ilícito (crime) a alguém é possível apenas com o início da execução, não se punindo atos preparatórios (preparação) nem mesmo a cogitação, pois a mesma se dá intrinsecamente ao sujeito (em sua mente).
Disso se ocorre, ainda que de maneira muito diminuta e quase que acessória, uma adoção do famigerado Direito Penal do Inimigo, desenvolvido pelo jusfilósofo alemão Günther Jakobs.
Como o objetivo desse artigo não é o DPI, mas sim uma sucinta análise do filme Minority Report (2002), irei apenas aclarar as principais características dessa teoria, sem entrar nos pormenores e em suas fundamentações mais abstratas e consequências. Deixo isso para meu TCC.
Em síntese, o DPI tem as seguintes propriedades:
- Antecipação da tutela penal — surge um direito penal preventivo, i.e, um direito penal que passa a ter aplicação da lei penal não somente na fase executória do crime, mas se antecipa e passa a ter efeitos na fase preparatória. E somado a isso, pune não somente os atos preparatórios do crime, como também lhes confere a mesma pena do delito consumado. (vide iter criminis)
- A ampliação dos poderes policiais — uma maior autonomia para a força policial atuar, visto que no Direito Penal do Cidadão, algumas ações diligência policiais dependem de autorização judicial, no Direito Penal do Inimigo, a Polícia teria mais autonomia para agir em face ao perigo do inimigo em prol da segurança. Logo, neste último, primeiro a Polícia age e posteriormente o Judiciário fiscaliza eventuais abusos e erros.
- Superestimação da confissão — esta torna-se o principal meio de prova do Direito Penal do Inimigo. Tamanha é sua importância e relevância, que se permite tortura para consegui-la do réu, visando culpabilizar e provar seu perigo e legitimar sua pena (medida de segurança). Enquanto no Direito Penal do Cidadão, as provas são fundamentadas pelos princípios do livre convencimento motivado, da livre apreciação da prova e da persuasão racional do juiz, não tendo nenhuma hierarquia no âmbito probatório. Por outro lado, no Direito Penal do Inimigo, como a confissão é o meio de prova mais valorada e almejado, para poder obtê-lo, o Estado pode (e deve) torturar para alcança-la, visto que há supressão dos direitos e garantias fundamentais. Tal método tem como fundamento basilar a proporcionalidade, pois numa análise de caso, onde existe o perigo de um bem jurídico sofrer algum dano e em contrapartida o réu sofrer alguma violação, o bem jurídico mais valorado será protegido — o bem jurídico que o inimigo visava atacar.
Visto suas características, percebe-se que a adoção do DPI, ou mesmo da política dos PreCogs, seria uma retomada do Direito Penal do Autor, incidindo a pena na periculosidade e possibilidade do risco de ameaça ao bem jurídico com base na personalidade e qualidades do agente, em detrimento ao Direito Penal do Fato, adotado quase que universalmente por todas escolas penais e países, cuja pena tem como base a culpabilidade do agente por fatos pretéritos praticados, desconsiderando sua personalidade.
Tal tema, o DPI ainda está em voga, principalmente após o ataque de 11 de setembro, como também pelas novas demandas penais que surgiram — ciber-delitos, criminalidade organizada, crimes de “colarinho branco”. Mas seria possível punir alguém com base em uma previsão de um comportamento futuro?
Tendo como fonte o diploma penal brasileiro, a resposta para a pergunta acima é negativa, e pode ser extraída a partir da leitura do artigo 17 do Código Penal, que dispõe acerca do instituto do crime impossível.
Pela explicação do dispositivo legal, extrai-se que crime impossível é aquele no qual não há possibilidade de consumação, seja por absoluta ineficácia do meio de execução ou por absoluta impropriedade do objeto material. Em outras palavras: no crime impossível, por mais que o agente deseje praticar a conduta criminosa, não há a menor chance de que tal consumação seja alcançada.
A impossibilidade da consumação, conforme exposto, pode decorrer de duas situações distintas:
1) absoluta ineficácia do meio ou;
2) absoluta impropriedade do objeto. Descomplicando os termos jurídicos, meio é tudo aquilo que o agente utiliza como instrumento para produzir o resultado por ele pretendido, podendo ser, pois, uma faca, um revólver, uma pedra, veneno, entre outros utensílios. Seguindo essa linha de raciocínio, meio absolutamente ineficaz é aquele que no caso concreto não possui a mínima aptidão para produzir os efeitos pretendidos. É absolutamente ineficaz, por exemplo, atirar em alguém com uma arma de brinquedo, ou mesmo utilizar uma substância não-nociva no lugar de veneno, esperando, com tal conduta, causar algum dano à sua integridade física.
Objeto do crime, por sua vez, é a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta criminosa — o objeto material do homicídio, desta feita, é a pessoa contra a qual se dirige o agente. Desse modo, o objeto será absolutamente ineficaz quando, ainda no exemplo do crime de homicídio, um indivíduo atira em uma pessoa, esperando matá-la, sem saber, todavia, que o sujeito em quem atirou já se encontrava morto. Ora, não há como cometer um homicídio contra quem já morreu, sendo o cadáver objeto absolutamente impróprio.
A partir do entendimento de que o Código Penal determina não ser punível o crime impossível, percebe-se que a situação abordada no filme dirigido por Spielberg, seria incompatível com os princípios e regras do direito penal contemporâneo. Pelo modelo garantista positivado na Constituição de 1988, é necessária a exteriorização de uma ação para a haja punição, ideia esta que decorre do axioma nulla injuria sine actione (não há ofensa a bens jurídicos e, consequentemente, possibilidade de punição, sem ação concreta do indivíduo).
O antagonismo entre o modelo de “PreCrime” previsto no filme e o ordenamento jurídico é percebida de modo mais claro pela análise da Súmula nº 145 do STF, segundo a qual “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. A partir da tese firmada pelo Supremo, por conseguinte, pacificou-se o entendimento de que se a polícia preparar o flagrante de modo a tornar impossível a consumação do delito — ou seja, do modo como ocorre frequentemente do longa —, caracterizado está o crime impossível, e, nos termos do art. 17 do CP, não há qualquer conduta passível de punição.
O flagrante, nestes casos, é esperado, uma vez que as autoridades policiais tem o prévio conhecimento da intenção do agente em cometer a infração penal, e a aguardam, cuidando de todos os detalhes de modo a impossibilitar sua ocorrência. O entendimento adotado, em resumo, é o de que, considerando que o indivíduo não tinha como alcançar a consumação do delito porque dele soubera com antecedência a autoridade policial e preparou tudo de modo a evitá-la, a ele não será atribuída a tentativa do delito.
Conclusão
Ex positis, compreende-se que tanto na economia, como também no Direito, a ação de tentativa de prever — deixando claro que prever e especular são distintos — é algo totalmente falho e que grande parte da economia “mainstream” bem como de grande parte da doutrina empírico-positivista do direito adotam, visando criar modelos de equilíbrio, normas de antecipação de tutela penal, crimes abstratos, assim como também pelo fato de que a tentativa de prever um processo pode acarretar na não ocorrência de tal processo, anulando a previsão realizada anteriormente.
Bom, esse breve artigo foi uma resenha sucinta e básica sobre o filme e sua correlação com a Economia da Escola Austríaca, tanto como com o Direito Penal, ambos analisados sob o prisma basilar da ação humana e sua imprevisibilidade.
Espero que tenham gostado!