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Guerra, pandemias e o Estado: a falência do estatismo e a “ética” da destruição

Introdução

Desde o término da Segunda Guerra Mundial com a vitória dos Aliados, o mundo passou por uma transformação política e administrativa, colocando em derrocada os sistemas monárquicos e liberais, erigindo sistemas de distribuição de renda, ativismo estatal, políticas keynesianas, em suma, a “apoteose” do século XX foi a instauração do Welfare State. Assim, lentamente, diversos países passaram a implementar políticas previdenciárias, sistemas públicos de ensino, abandono do padrão-ouro pela moeda fiduciária, programas sociais de distribuição de renda, como também, a criação de sistemas de saúde públicos e uma crescente monopolização de sistemas farmacológicos e médicos, centralizando-os em entes políticos ou organizações internacionais.

Com isso, ao longo dos anos uma crescente ideologia social-democrata foi ganhando força, exaltando as benesses das políticas públicas sociais e do sistema de saúde estatal, exaltando-os ao pedestal de “direitos fundamentais” ou de “direitos humanos” — tal como desenvolvido pelo jurista Norberto Bobbio na sua obra A Era dos Direitos — rol este que torna a saúde um bem intocável e incontroverso: é um direito do homem e um dever do Estado fornecer um sistema assistencial.

Todavia, o que se mostrou ao longo das gerações bobbianas do direito foi uma profunda deterioração do direito de liberdade e de propriedade e a adoção de filosofias estatais marxistas, levando ao rol de direitos, bens e serviços.

Partindo do final do século XIX e princípio do século XX, com o advento das políticas previdenciárias de Bismarck, os Estados modernos passaram de simples mantenedores da segurança e da justiças — tal como John Locke e os Federalistas havia teorizado — passando a serem assistencialistas. E tal modificação foi fomentada pelo advento das duas Grandes Guerras e pela enorme crises que o mundo viveu até a primeira metade do século XX, seja com as mortes, com o feridos, com a crise de 29 e a ruptura do método de trabalho arcaico pelo moderno e industrial.

O que se viu ao longo do século XX foi uma inundação de ações estatais no sentido de restringir ainda mais o livre mercado, principalmente no que tange aos “serviços essenciais”, tais como educação, saúde e mercado financeiro. Quase todas nações centralizaram ou regulamentaram de maneira excessiva esses setores, criando entes públicos ou qualquer outra medida que fixasse como competência do Estado a atividade prestada.

O que o presente artigo visa é a elucidação de como o Estado é ineficiente e calamitoso em suas empreitadas em servir os “bens essenciais” e como as políticas de contenção e de crises se mostram piores e porquê devemos abandonar a ideia de um Estado criativo e resolvedor de problemas, tendo em vista que além de ser utilitariamente mais fraco que o livre mercado, a ética do Estado é a da guerra e da violação da propriedade privada.

 

1 – O falso dilema

A priori, o primeiro dilema, ou melhor, o falso dilema que é levantado por algum social-democrata ou estadista é a de que: como o mercado irá fornecer e proteger os direitos fundamentais do homem? Sem o Estado, não haveria quem nos cuidasse em tempos de guerra, ou de pandemias ou crises econômicas…

E por que essa pergunta é falaciosa? Pois a mesma tem incutido intrinsecamente o pensamento protecionista de: o Estado nos fornece e resguarda nossos direitos essenciais e fundamentais, agindo como salvador em tempos de dificuldade, e o livre mercado cuida do supérfluo e acessório. E tal fundamentação é compartilhada por diversos economistas e pensadores, tais como Dani Rodrik, que, em sua obra Economics Rules, sintetiza esse pensamento: “A abordagem do hamster para um problema é previsível: a solução está sempre no livre mercado. […] Já as raposas, em algumas ocasiões, recomendam mais mercados e, em outras, mais governo.” Seguindo o pensamento de Rodrik, é melhor ser uma raposa do que um hamster.

Liminarmente, pode-se ler e cogitar que tal ideia é coerente e de sensatez em demasia, visto que ele está dizendo o perigo de cairmos em decisões simplistas ou tentando adequar nossas ideias ao leito de Procusto[1]. Ora pois, em algumas situações, é necessário uma fita isolante, e em outras uma fita veda rosca. Somente um insensato utilizaria fita isolante em ambas, ou uma fita veda rosca para encapar um fio elétrico.

Todavia, o que não se vê é que o livre mercado não é um hamster, com apenas uma forma de agir. Muito pelo contrário.

A atividade criativa empresarial, com o maior número de mentes possível não é uma ferramental unifuncional, tal como um serrote. O mercado é uma caixa de ferramentas multivariadas, de diversos tipos e funções, sempre surgindo soluções inovadoras e muito mais eficazes, em contrapartida da burocracia e lentidão do centralizado governo.  O erro principal da formulação da tese em que coloca competências separadas pra Estado e mercado ante a essencialidade é a de que o mercado não sabe ou não deve agir em situações críticas ou de extrema necessidade.

Tal pensamento coloca o mercado como um mero acessório, suprindo apenas bens de volúpia, ficando a cabo do Poder Público a maneira como serviços essências — e complexos.  Livre iniciativa e liberdade econômica contém muito mais ferramentas e soluções que as estatais, tendo em vista sua dinamicidade, a criatividade dos agentes como também pela dispersão do conhecimento, tão bem ilustrada pelo austríaco Friedrich A. Hayek em suas obras.

Enquanto o Estado possui somente um ou poucos instrumentos, o mercado está abarrotado de múltiplas e incontáveis ferramentas. E estas são muito mais diversificadas, especializadas e criativas do que aquelas dominadas “ferramentas do governo”.

Ao contrário do que se presume quando falamos em “deixar o livre mercado encontrar a solução” não estamos falando em porcos capitalistas e banqueiros corporativistas em torres de marfim. Mas estamos nos referindo a qualquer indivíduo (ou grupo de indivíduos) que mostre maior disposição em solver o problema, com mais capacidade, mais experiência, maior sagacidade, mais versado e mais bem equipado e principalmente, que tenha a liberdade para tentar lidar com cada problema específico.

Deve-se ressaltar, que na ação empreendedora, os agentes estão em constante risco, com o conhecimento dinâmico e sempre agindo em incerteza genuína, aprendendo a cada instante. Essa pele em risco — nos termos do analista de riscos Nassim Nicholas Taleb — é o que faz com que as decisões do mercado sejam muito mais cautelosas, muito mais fundadas em bases sólidas e efeitos práticos do que as decisões de burocratas e pseudointelectuais que não participando do jogo da vida.

Nassim Nicholas Taleb

 

E tal ideia “simplista e monista”, i.e, colocar o mercado como resolvedor de problemas complexos, tais como guerras, crises financeiras, e mais recentemente, crises sanitárias pandêmicas não cai num reducionismo. É apenas a crua realidade.

Pegando como exemplo a pandemia causada pelo COVID-19, na qual ocorreu inúmeras infelizes mortes, como também medidas autoritárias e cerceadoras por parte dos Estados. Num cenário como este, onde a exploração farmacológica e medicinal é constituída por cartéis e regulamentações que impedem a atividade cientifica, seja com propriedade intelectual, códigos de “ética” nada éticos, que colocam o sistema de saúde nas mãos de organizações internacionais e em seus Estados-membros, todos estes com interesses políticos.

Com a quebra do cartel e das regulamentações pífias, quiçá teríamos um avanço em pesquisas virológicas e pandêmicas muito mais descentralizado e eficiente, como também métodos de previsão e de antecipação de situações como essa, para aplicações de medidas preventivas e não de medidas totalitárias e prisionais para com os cidadãos, tendo o Estado agindo de maneira agressiva e as pressas contra esse falso cisne negro[2].

Soluções para problemas intricados demandam o máximo de mentes criativas interagindo de maneira livre e dinâmica.

Em suma, recomendar que “deixem o mercado cuidar disso” é uma forma lacônica de dizer que “não temos planos simplistas e absolutos para lidarmos com tal questão; com efeito, deve-se rejeitar todos os planos simplistas — isso inclui TODA decisão estatal. Somente uma instituição competitiva e descentralizada, e que absorve contínuas informações de todos os indivíduos que dela participam, i.e, o mercado, pode ser segura o suficiente para desvendar e implantar uma saída de maneira satisfatória para lidar com o problema em questão”.

Superado isso, é possível partirmos para como o Estado é nefasto e ineficiente a ponto de criar problemas que ele mesmo não consegue resolver e como em uma situação de extrema necessidade é necessário afastar o Estado. Ao invés do que se pensa, quanto maior a crise civilizatória, menos Estado é preciso para sairmos da turbulência.

 

2 – O Estado como agente (não)criativo

Passaremos agora a uma análise mais econômica e utilitária do problema. Pode o Estado combater crises, como por exemplo, pandemias?

Conforme se extrai da obra de Marcello Mazzilli:

 

Em algumas democracias modernas a saúde representa a maior despesa do estado. Gradualmente nos séculos o papel do governo se modificou e as despesas em defesa caíram enquanto as despesas nos serviços subiram, e a saúde pública no topo destas despesas. E ela é um forte meio de controle de massas.

Para que se aceite que o estado deva cuidar da saúde dos cidadãos, se faz necessário aceitar que o estado imponha certo modo de vida para eles, com um argumento que pode ser resumido assim: “Se o seu tratamento de saúde é às minhas custas então você deve se comportar como eu digo”.

Peguemos como exemplo a obrigação dos motoristas utilizarem cintos de segurança. De nada vale a alegação do motorista libertário ao dizer “Se eu me machuco o problema é meu!”. Por que na verdade, ele, como todos os outros, tem a sua saúde tutelada pelo estado, e o fato dele pessoalmente aceitar os riscos não o exime de ter que responder às despesas que o estado faz para a “sua saúde”. E este é o grande problema. Se aceitarmos que existe uma saúde pública teremos sempre um estado que, com esta desculpa, queira impor um modelo de comportamento.

O cinto de segurança, o capacete para as motos, o fumo em lugares públicos, e em breve a obesidade. Provavelmente um dia, porque todos os anos morrem mais vítimas de gripes e resfriados que de acidentes de carro, te obrigarão a usar uma malha de lã no inverno, e talvez o policial te pare na rua pedindo que você mostre a tal malha. Ou ainda, seremos obrigados a fazer exercícios físicos logo pela manhã (como no livro 1984 de George Orwell, ou durante o regime fascista na Itália). Se aceitarmos o princípio de que existe uma saúde pública, devemos necessariamente definir o estado como uma mãe que diga “Já que vive sobre o meu teto deve fazer o que eu digo”. Não podemos nos esquecer de que os nazistas se orgulhavam de terem um regime com uma saúde primorosa.

Se quisermos liberdade, devemos poder escolher um seguro médico privado com o qual poderemos assumir compromissos contratuais que envolvam o nosso comportamento, mas sem sermos compelidos a aceitá-los. Haveriam então, seguros menos ou mais caros, dependendo de como alguém dirige o automóvel, se fuma ou não, ou se se envolve em atividades de risco como paraquedismo ou rapel.

E o mercado irá incorporar estes custos, por exemplo, o custo de um edifício será mais alto porque incluirá gastos mais altos com os operários que, por sua vez, deverão pagar mais caro pelos seus seguros.

Enfim, saúde privada significa liberdade de tratamento. Cada indivíduo deve ter o direito de se tratar como achar melhor, experimentar novas terapias, utilizar medicamentos de homeopatia etc. A saúde é talvez o bem mais importante que temos e é justo cada um poder escolher o melhor tratamento para si e para os seus entes queridos[3].

Marcello Mazzilli

 

Citando o ilustre economista brasileiro Ubiratan Jorge Iorio[4]:

 

A tríade básica ou núcleo fundamental

A EA tem como fundamentos uma tríade concomitante e complementar, formada pelos conceitos de ação humana, de tempo dinâmico e pela hipótese acerca dos limites ao nosso conhecimento. Esses três elementos formam o seu núcleo fundamental e se transmitem por meio de seus elementos de propagação para os diversos campos do conhecimento humano. Essa difusão tem implicações na filosofia política, na epistemologia e na economia. São por assim dizer a pedra angular do monumental edifício teórico que constitui a Escola Austríaca de Economia. Deles emanam os elementos de propagação e neles se assentam todos os componentes essenciais às deduções lógicas e às propostas teóricas.

[…]

Ação

Ação significa qualquer ato voluntário, qualquer escolha feita deliberadamente com vistas a se passar de um estado menos satisfatório para outro, considerado mais satisfatório no momento da escolha. A praxeologia é a ciência geral que se dedica ao estudo da ação humana, considerando todas as suas implicações formais. Ora, todos os atos econômicos, sem exceção, podem ser reduzidos a escolhas realizadas de acordo com o conceito seminal de ação humana. E a proposição básica, o primeiro axioma da praxeologia, é que o incentivo para qualquer ação é a insatisfação, uma vez que ninguém age a não ser que sinta alguma insatisfação e avalie que uma determinada ação venha a melhorar seu estado de satisfação, ou seja, aumentar seu conforto, sensação de alegria ou de realização, diminuindo, portanto, seu desconforto, frustração ou insatisfação. Este axioma é universal: onde quer que existam pessoas existirá ação assim definida. Portanto, a ciência econômica construída com base na praxeologia é, por corolário, universal. Não há teorias econômicas específicas ou particulares para cada país ou região, mas uma teoria econômica epistemologicamente correta, que é a que se monta peça por peça a partir da observação e do estudo sistemático da ação. Mises denominou o conceito de ação humana de axioma praxeológico número um, no sentido de que a partir dele podem-se deduzir as principais leis comportamentais que regem a economia.

Tempo

O segundo componente da tríade é o tempo, especialmente sua concepção dinâmica, ou tempo subjetivo, ou, ainda, tempo real, em que o tempo deixa de ser uma categoria estática que possa ser descrita por um simples eixo horizontal, para ser definido como um fluxo permanente de novas experiências, que não está no tempo, como na concepção estática ou newtoniana, mas que é o próprio o tempo. Quando consideramos o tempo dinâmico, estamos implicitamente aceitando o fato de que algo de novo sempre está acontecendo e assumindo suas três características: continuidade dinâmica, heterogeneidade e eficácia causal. Portanto, o tempo é, em si, um processo ou procedimento permanente de descobertas, como frisava Hayek. O tempo dinâmico real é irreversível e sua passagem acarreta uma evolução criativa, ou seja, implica alterações imprevisíveis. O conceito de tempo real é fundamental para que se possa entender a natureza da ação humana: agindo, os indivíduos acumulam continuamente novas experiências, o que gera novos conhecimentos, o que, por sua vez, os leva a alterarem frequentemente seus planos e ações.

Conhecimento

O terceiro elemento da tríade básica da EAE é o tratamento epistemológico do fato — indiscutível — de que o conhecimento humano contém sempre componentes de indeterminação e de imprevisibilidade, o que faz com que todas as ações humanas produzam efeitos involuntários e que não podem ser calculados a priori. Além disso, existem, para os austríacos, limites inescapáveis à capacidade da mente humana que a impedem de compreender integralmente a complexidade dos fenômenos sociais e econômicos. Os sistemas formais possuem certas regras de funcionamento e de conduta que não podem ser previamente determinadas. É como escreveu José Ortega y Gasset: “o olho não se vê a si mesmo”. (Só no espelho) … Como não é possível quantificar todo o nosso conhecimento, a EA não analisa os mercados como estados de equilíbrio, mas como processos de descoberta e articulação de conhecimentos que, normalmente, na economia do mundo real, permanecem calados, silenciosos, escondidos, espalhados e desarticulados, à espera da inteligência humana subjetiva exatamente para despertá-los, exibi-los, organizá-los e articulá-los. Esta terceira hipótese nucléica da Escola Austríaca, para diversos estudiosos de epistemologia, é a mais importante. No entanto, preferimos considerá-la em pé de igualdade com as duas primeiras, por acreditarmos que assim procedendo fica mais fácil destacar as interações e a interdependência existentes entre as três.

Esse núcleo básico da EAE é tão importante que nos permite definir a economia como ação humana nos mercados ao longo do tempo sob condições de incerteza genuína.

De maneira magistral Iorio sintetizou todo seu vasto conhecimento em economia “mainstream” com os insights implacáveis de Mises e Hayek. O que se conclui nitidamente é que os governos não respeitando a tríade nuclear da economia austríaca, logo, são incapazes de agirem de maneira racional dentro de um mercado competitivo.

 

Todos sabemos que o governo possui suas regras morosas e burocracias, sua picuinhas e estratagemas demagógicos, atributos estes que em nada ajudando eles no mercado. Governo algum aceita a incerteza genuína, a imprevisibilidade da ação humana, a dispersão do conhecimento, e principalmente, o respeito à propriedade privada — visto que somente com propriedade privada respeitada é possível um sistema de preços de mercado, e deste o cálculo econômico e realocação de recursos de maneira rápida e eficiente.

Somente o mercado sabe ser criativo e gerar informação e solução. O que os governos fazem são criar barreiras, ou pior, deturpar as informações em seu benefício. Vide as guerras travadas na história. Vide a economia das guerras como ficou, ante as políticas estatais de tributação, fomento a determinadas áreas, alistamento compulsório, entre outras medidas.

Jamais o Estado criou algo e jamais irá criar. Toda sua ação é genuinamente nefasta e suas intenções são mascaradas com ilusões de utopias social-democratas, quando na verdade estão praticando o que mais são hábeis: expropriação e violação contumaz da propriedade privada por meio do monopólio da legislação e da justiça, pervertendo a lei e a verdade, quase que de extrema similitude ao Big Brother orwelliano.

Mais do que nunca, é exatamente em épocas de crise que precisamos de liberdade. Determinar o que pode funcionar e o que as pessoas podem fazer é planejamento centralizado. E todo planejamento central está fadado ao fracasso.

 

3 – Políticas Públicas e a ética da destruição

Outro ponto também de imenso valor é o de que além de ser limitado em suas soluções, de ser um agente não-criativo, o Estado é principalmente antiético. E sua impossibilidade de solver problemas de grandes proporções deriva de sua ética: a ética da destruição.

E o que seria essa ética? Conforme o ilustre economista Murray N. Rothbard explicita em sua obra Por Uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário:

 

O outro motivo, além da ameaça de uma guerra nuclear, nas palavras do libertário Randolph Bourne, “é a saúde do estado”. A guerra sempre foi uma ocasião em que ocorre uma aceleração rápida — e geralmente permanente — do poder do estado sobre a sociedade. A guerra é a grande desculpa para a mobilização de todas as energias e recursos das nações, em nome da retórica patriótica, sob a égide e os ditames do aparato estatal. É na guerra que o estado realmente mostra a que veio: seu poder aumenta em números, em orgulho, e no domínio absoluto sobre a economia e a sociedade. A sociedade passa a ser uma manada, que procura matar seus supostos inimigos, identificar e reprimir toda e qualquer dissidência aos esforços oficiais de guerra, distorcendo alegremente a verdade em nome do suposto interesse público. A sociedade se torna um campo fortificado, com os valores e a moral — nas palavras do libertário Albert Jay Nock — de um “exército em marcha”.[5] (os destaques não constam no original)

Murray Newton Rothbard, pai do Austrolibertarianismo

 

Situações como guerras, crises financeiras e até mesmo pandemias sanitárias — que em quase toda sua totalidade são causadas pelo Estado — são quando o poder do Estado aumenta e sua nefasta influência extrapola os limites “constitucionais”. O que antes era um problema micro, torna-se macro e com maior dificuldade de resolução, pois o mercado além de enfrentar as dificuldades da problemática, enfrenta o arbítrio estatal fortalecido. A políticas públicas impedem o mercado de agir, funcionando como grilhões aos agentes empreendedores. Somasse a isso, a patética tentativa do Poder Público em resolver o problema — guerra, crise ou pandemia — tendo como resultado um problema maior em conjunto com o problema anterior.

Em outro célebre frase de Rothbard mostra-se como é vã e tosca a ideia de que numa situação de emergência onde o Estado irá ter plenos poderes para agir de maneira arbitrária e totalitária, esperar que ele não aja dessa forma. Nas palavras do Prof. Murray:

 

A grave falha política nessa ideia é dar total controle […] ao estado e então apenas ficar na esperança de que ele irá abster-se de utilizar esse poder.  Mas considerando-se que o poder – qualquer poder – sempre tende a ser utilizado, […] tanto a ingenuidade como a natureza estatista desse tipo de política já deveriam estar perfeitamente evidentes.[6]

 

Nítido pois, que não se pode esperar de um destruidor de janelas contumaz que ele conserte seu piso e não destrua sua janela, caso tenha acesso. O poderio estatal numa situação calamitosa é a pior coisa que se pode esperar.

Quando a civilização entra em crise, seja por conflitos belicosos de Estados, ou por pandemias, o que vemos são decretos estatais para lockdowns, fechamentos coercitivos de comércios, entre outras medidas imperativas, sem nenhum estudo que comprove sua eficácia.

Uma pandemia se assemelha a uma guerra, visto que o Estado irá nutrir ao máximo suas forças para se expandir e utilizar seu poder para impor sua coerção. Tudo em nome do interesse coletivo. Seja com alistamento obrigatório, como nas Grandes Guerras, com tributação galopantes na renda e nos comércios, como também em pandemias, com cerceamento de liberdade, fechamento de comércio e obrigatoriedade de uso de máscaras.

Tais medidas mostraram toda a face estatal tão bem ilustrada por Murray Rothbard, parafraseando o sociólogo alemão Franz Oppenheimer:

 

Agora estamos prontos para responder de forma mais completa à questão: o que é o Estado? O Estado, nas palavras de Oppenheimer, é a “organização dos meios políticos”; é a sistematização do processo predatório em determinado território.[7]

 

A forma como a economia global foi destruída pelas ações estatais em combate à propagação do vírus já ratifica tudo aquilo que sucessivamente é alertado: a economia global colapsou, não devido a pandemia de COVID-19, e sim pelas ações dos governos ao redor do mundo, por intermédio da irrefreável e avassaladora utilização dos seus poderes de coerção, levando as economias ao óbito, fecharam indústrias, comércios e atividades empreendedora, que acarretou na quebra da cadeia de produção, logística e suprimentos por todo o planeta.

Passado mais da metade do ano, não somente argumentos apriorísticos, mas também evidências empíricas e concretas que revelam que lockdowns e isolamento forçado não gera redução de mortos per capita. Nenhum estatístico ou econometrista metido a vidente com suas “ferramentas matemáticas” e seus “PhDs que refutam toda praxeologia” conseguiram notar alguma diferença de excesso de mortalidade entre os países que se trancaram e os que não.

Em contrapartida, os resultados econômicos são medonhos.

Muito embora alguns países que não adotaram confinamento tenham um percentual relativamente maior de mortes se comparados com os países que adotaram as medidas de isolamento, em contraste se verifica, por exemplo, na Suécia, país que optou por não adotar confinamento e quarentena, sua economia efetivamente acendeu no primeiro trimestre, e a uma taxa anualizada de 0,4%, sendo que as previsões medianas eram de uma contração anualizada de 2,4%. Do outro lado, seus vizinhos que adotaram lockdown, apresentaram índices econômicos muito piores: a economia norueguesa se contraiu a uma taxa anualizada de 5,86% e a dinamarquesa, a uma taxa anualizada de 8,13%.[8]

Destarte, os dados empíricos despontam que, se de um lado o lockdown não impede mortes e nem resguarda a população, de outro ele assegura a destruição da economia nacional.

Ao redor do mundo ocidental, bilhões de pessoas foram de modo repentino, coagidas e trancafiadas em seus domicílios, tendo o governo passado a ser o responsável pela decisão de determinar o que seria essencial para manutenção da sociedade, destruindo todo o resto, “criminalizando” qualquer interação social aglomerada.

Não é possível uma comparação honesta entre esse período pandêmico com uma guerra ou uma crises financeira como 1929 e 2008. Mas também não se pode deixar de ressaltar que esse período de supressão da liberdade e majoração do autoritarismo em face da livre iniciativa, os governantes, de maneira abrupta e inesperada, iniciaram uma derrocada dos pilares basilares da era contemporânea, como o direito de propriedade, de liberdade. E pra piorar, conforme exposto in supra, os governos não conseguem nem salvar as vidas. O bordão “a economia a gente vê depois” está se mostrando tão patético como deve ser substituído por “logo, não haverá nem economia nem vidas pra salvar”.

Soma-se a isso, especialistas médicos corroboram que as implicações da intensa recessão econômica sobre a saúde das pessoas serão inúmeras vezes mais danosas do que a própria pandemia de COVID-19. E isso sem levar em conta o morticínio gerado pelo fato de alguns hospitais terem suspendido tratamentos rotineiros, diagnósticos de câncer e cirurgias optativas.

Em suma, pode-se concluir que entramos numa fase de controle social orwelliano, com embasamento em pseudociência e em métodos e teorias não testados e não comprovados. E ao contrário do que a grande mídia e os grandes entes internacionais, não houve “fracasso do liberalismo/libertarianismo”.

Tal hipótese é deveras ingênua, se não até desonesta. O que fracassou foi o governo, visto que extinguiram e proibiram o funcionamento da atividade mercantil, seja com sanções pecuniárias ou mesmo com a apreensão de bens e privação da liberdade! E como resposta, os burocratas, em suas cúpulas de marfim e espumantes, nada apresentaram de esperançoso ou positivo. Zero soluções. Ninguém enxerga para seus governantes e visualiza alguma perspectiva de solução.

Quiçá, o equívoco de se afirmar que o liberalismo fracassou tem como base a crença de que uma sociedade livre não consegue lidar com pandemias. Todavia, isso também é falso e demonstrado via empirismo. Basta volver os olhos para o passado e perceber outras crises pelas quais a humanidade já passou e como ela reagiu e sobreviveu. Vide por exemplo, o século XX, que tivemos a gripe espanhola, diversas doenças combatidas em contexto de liberdade. Até mesmo no irmão do COVID-19, o SARS de 2003 e no H1N1 nada parou.

O porquê dessa decisão destoante em 2020 é um enigma da esfinge, pelo qual erramos e estamos pagando com vidas — sejam pelo vírus, seja pela bancarrota do livre mercado enterrado pela mão de ferro dos governos.

O que se conclui com tudo isso é que por mais que as aparências das intenções dos governantes seja a da preservação do povo, do apelo à vida, na verdade o que está ocorrendo é o estado transcendendo seus limites, mostrando sua verdadeira ética: a da destruição da liberdade e da propriedade privada.

 

4 – Conclusões — e quem sabe uma esperança

Ex positis, nada além de liberdade e respeito à propriedade privada podem ser os remédios para a cura dessa crise. Remédio este que além de curar, previne futuros tumores causados pela atividade burocrática e predatória do Estado.

Jamais em toda história do homem se viveu em um tempo de tamanho alarmismo midiático, com enfoque tão somente no vírus — que sim, é um complexo problema enfrentado pela humanidade — mas que ante ao antolhos que tão a ciência, como o estado e a mídia parecem estar utilizando, desconsideram as consequências nefastas das medidas adotadas, como o antiético e criminoso aniquilamento da saúde econômica e da depredação da legitimidade da propriedade privada e seus afins, como os derivados da atividade econômica, gerando desemprego, desesperança, miséria, angústia, fome, suicídio, soltura de bandidos perigosos, violência doméstica, brigas de vizinhos, intensificação de fumo, álcool, drogas e mais, todas conhecidas condições alavancadoras de mortes — fruto de atos políticos humanos e não de efeitos biológicos do vírus.

Mas então, o que devemos fazer ante toda essa balbúrdia e desordem que o Estado causou e está causando?

É hora de voltarmos a olhar para os fundamentos mais essenciais da propriedade privada e respeitá-los.

Todos queremos permanecer saudáveis e com nossos entes queridos também saudáveis. Só com esse interesse, fundando na teoria da ação propositada de Mises e da dispersão do conhecimento de Hayek, se deduz logicamente que vamos aprender a lidar com isso. O profissionais da área se concentram no assunto e trabalham em terapias e na descoberta da cura.

O governo em nada pode contribuir. NADA!

Nunca o governo terá mais conhecimento, mais brio, mais esperteza do que o descentralismo de milhões de mentes ativas e criadoras, trocando conhecimento dinamicamente e buscando atingir seus fins, aprendendo com os erros de sua ignorância genuína e aumentando ainda mais o conhecimento. O que um varejista faz, uma câmara de deputados não faz. É o que se extrai do brilhante economista Hayek em suas obras sobre o cálculo econômico miseseano e sobre o conhecimento disperso.

Friedrich August von Hayek

 

Somente uma imediata restauração do livre comércio, da liberdade de empreendimento, da liberdade de movimento pode impedir ainda mais danos à economia global.

Mas tal medida seria um golpe cruel nos governos arrogantes que se acham onipotentes e oniscientes admitirem sua pífia tentativa de manter a ordem social, sanitária e econômica e permitir que vivemos nossa vida em paz, cuidando de nossas propriedades e de nossos problemas, como sempre deveria ter sido.

 

Notas

[1] O leito de Procusto derivada da mitologia grega no qual, Procusto é um bandido que assalta viajantes e os obriga a se deitar em seu leito de ferro. Caso a vítima seja maior que o leito, Procusto amputa o excesso de comprimento: se é menor, estica. Como nenhuma pessoa é exatamente do tamanho da cama, ninguém sobrevive.

[2] O analista de riscos Nassim N. Taleb, desenvolvedor do conceito de cisne negro — que diz respeito um evento completamente inesperado que muda todas as condições — afirma que o evento do COVID-19 não se encaixa na analogia. Nas palavras do autor: “Como a pandemia pode ser considerada cisne negro, se já tivemos diversos exemplos como esse no passado?” Disponível em <https://www.istoedinheiro.com.br/nassim-taleb-a-pandemia-nao-e-um-cisne-negro/>. Acessado 03 de agosto de 2020.

[3] MAZZILLI, Marcelo. Estado? Não, obrigado! O manual Libertário, ou o ABC do antiestatismo. Trad. Roberto Fiori Chiocca. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 1ª Ed. 2010. p. 71-73

[4] IORIO, Ubiratan Jorge. Ação, Tempo e Conhecimento: A Escola Austríaca de Economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil. 2ª Ed. 2011. p. 15 e ss.

[5] ROTHBARD, Murray. Por Uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário. Trad. Rafael Sales Azevedo. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 1ª Ed., 2013. p. 327

[6] ROTHBARD, Murray. O que o governo fez com o nosso dinheiro?. Trad. Leandro Augusto Gomes Roque. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 1ª Ed., 2013. p. 82

[7] ROTHBARD, Murray. Anatomia do Estado. Trad. Paulo Polzonoff. São Paulo: Editora LVM, 2ª Ed., 2018. p. 27

[8] Disponível em:https://www.cnbc.com/2020/05/29/coronavirus-swedens-gdp-actually-grew-in-the-first-quarter.html. Acessado em 04 de agosto de 2020.

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